OBJETIVO: Descrever a evolução da pesquisa epidemiológica em atividade física no Brasil.
MÉTODOS: Revisão sistemática da literatura, realizada em bases de dados eletrônicas (Medline/PubMed, Lilacs, Ovid, Science Direct, BioMed Central e High Wire), em periódicos nacionais não indexados, por busca específica por autores e contato com pesquisadores. A seleção dos artigos teve como critérios de inclusão: amostra representativa de alguma população definida; tamanho da amostra de pelo menos 500 indivíduos; coleta de dados realizada no Brasil; mensuração de atividade física e relato dos resultados com base nessa variável.
RESULTADOS: Foram incluídos 42 estudos. O primeiro artigo foi publicado em 1990, observando-se tendência de aumento de publicações a partir de 2000. Foi detectada disparidade regional nas publicações, com concentração de estudos nas regiões Sudeste e Sul. A maioria dos estudos (93%) utilizou questionários como instrumentos de pesquisa, cujos conteúdos variaram, assim como as definições operacionais de sedentarismo, dificultando a comparação dos resultados.
Constatou-se que em nenhum momento histórico a prática de atividades físicas esteve tão presente na agenda de saúde pública e no debate acadêmico da área da saúde como nos últimos anos. No entanto, são apontados diversos desafios, principalmente no que se refere à metodologia dos estudos.
Os dados da presente revisão indicam crescimento da pesquisa em epidemiologia da atividade física no Brasil, o que é um achado importante. Por outro lado, claras "desigualdades" são evidentes. Existe, por exemplo, uma concentração de estudos nas regiões Sul e Sudeste. A carência de dados nas demais regiões é preocupante, visto que os níveis de atividade física e fatores associados podem variar de acordo com a localização geográfica, limitando a generalização dos resultados das pesquisas. É preocupante, por exemplo, a escassez de dados das regiões Centro-Oeste e Norte, o que é observado também em outras áreas do conhecimento.
O aumento da produção científica em atividade física e saúde no Brasil, a partir de 2000, coincide com a inserção da educação física na área de saúde.* Outro aspecto a ser considerado é que a inserção de profissionais de educação física nos cursos de Pós-graduação em Saúde Coletiva e áreas afins também cresceu nos últimos anos.
Apesar do crescimento da literatura na área, não foi encontrado nenhum estudo de base nacional sobre o nível de atividade física. Tal investigação seria importante para que fosse possível comparar a prevalência e os fatores associados ao sedentarismo entre as regiões e estados do País, além de comparações com outros países. Um inquérito recente** avaliou a prática de atividades físicas na maioria das capitais brasileiras, encontrando prevalências de sedentarismo que variaram de 28% (Fortaleza e Belém) a 55% (João Pessoa). Um sistema de monitoramento dos níveis de atividade física da população brasileira seria essencial, e o estudo do Instituto Nacional do Câncer** poderia servir como linha de base para esse monitoramento.
Outro aspecto a ser destacado é que a maior parte dos estudos avaliou a atividade física de forma descritiva ou transversal, mostrando carência de estudos com outros delineamentos – coorte, caso-controle e intervenção. Também são necessários estudos sobre os efeitos em longo prazo da prática de atividade física sobre a saúde. Isso porque a extrapolação dos dados obtidos em pesquisas desenvolvidas em países ricos para o Brasil deve ser realizada com cautela. Estudos nacionais mostram que o padrão de atividade física dos brasileiros é diferente do observado nos Estados Unidos, Austrália e diversos países europeus (onde a maior parte do conhecimento na área é produzido). No Brasil, as atividades físicas realizadas no deslocamento para o trabalho, no próprio trabalho e nos serviços domésticos são mais freqüentes do que os relatos de países ricos, onde a maior parte da atividade física total ocorre no tempo de lazer.27 Estudos nacionais devem levar em consideração ainda que os fatores associados à atividade física no lazer são diferentes dos observados para a atividade física total. Por exemplo, enquanto os pobres são menos ativos no lazer,7,32 eles têm um maior nível de atividade física nos outros domínios.15
Com relação aos instrumentos de mensuração de atividade física, os questionários foram os mais utilizados. Apesar de vantagens importantes, como o baixo custo e a rapidez na obtenção dos dados, os questionários são métodos subjetivos e, portanto, com maior margem de erro quando comparados a medidas mais diretas do nível de atividade física. A determinação correta do nível de atividade física a partir de questionário sempre depende da capacidade do indivíduo de recordar as atividades físicas realizadas durante um período de tempo (por exemplo, nos últimos sete dias, no último mês). Além disso, os questionários empregados deveriam ser preferencialmente validados, para minimizar erros de mensuração. Entretanto, a maioria dos estudos analisados no presente trabalho utilizaram questionários não validados, e os dados sobre validade e repetibilidade dos instrumentos são raramente apresentados e discutidos nos artigos.
O IPAQ é um questionário para coletar dados comparáveis de atividade física em diferentes contextos4 e o Brasil foi um dos países incluídos na elaboração e validação deste instrumento. Apesar da existência de um estudo multicêntrico de validação do IPAQ,4 a forma de análise desse estudo foi contestada por pesquisadores brasileiros,16 de modo que ainda são necessários novos dados de validade e repetibilidade. Especificamente, estudos sobre o desempenho do IPAQ para mensuração de níveis de atividade física de brasileiros utilizando métodos diretos (acelerômetros, pedômetros) como padrão-ouro são fundamentais. No entanto, apesar dessas limitações, o IPAQ tem vantagens em comparação a outros instrumentos, principalmente no que se refere à possibilidade de comparabilidade entre os estudos, exatamente uma das principais limitações da literatura na área detectadas na presente revisão.
Nesse sentido, dois dos principais achados da presente revisão foram a existência de 29 artigos utilizando questionários criados pelos pesquisadores e a utilização de 26 diferentes definições operacionais de sedentarismo. Apesar da relevância desses estudos, fica impossível comparar os dados. Dessa forma, conclui-se que embora a literatura em epidemiologia da atividade física venha crescendo quantitativamente no Brasil, limitações metodológicas dificultam a comparação entre os estudos. Isso torna imperativa a padronização de instrumentos e definições essenciais para o avanço científico da área. Espera-se ainda que estas considerações ajudem na evolução da pesquisa epidemiológica em atividade física no Brasil e na elaboração de políticas de conscientização e incentivo à prática da atividade física.
Maiores informações:Pedro Curi Hallal; Samuel de Carvalho Dumith; Juliano Peixoto Bastos; Felipe Fossati Reichert; Fernando Vinholes Siqueira; Mario Renato Azevedo
Rev. Saúde Pública v.41 n.3 São Paulo jun. 2007
Leiam este artigo porque é bem interessante
site: http://www.scielo.br/pdf/rsp/v41n3/5808.pdf
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