Senhor Ministro Alexandre Rocha Santos Padilha, acabamos de tomar
conhecimento do envolvimento do Ministério da Saúde em campanha
publicitária da rede de lanchonetes da empresa McDonald?s no Brasil.
A nosso ver, este envolvimento não se coaduna com o histórico do
Ministério da Saúde na promoção da segurança alimentar e nutricional
da população brasileira e com a elogiável prioridade que sua gestão
tem consignado para a promoção da alimentação saudável e para o
controle das doenças crônicas não transmissíveis.
A campanha da rede McDonald?s, à semelhança de outras estratégias de
marketing empregadas pela mesma empresa, é extremamente nociva, em
particular para crianças e adolescentes, que são o público alvo
daquela rede.
Estamos nos referindo especificamente ao uso nas lojas da rede
McDonald's de toalhas de bandeja que reproduzem, lado a lado, material
educativo elaborado pelo Ministério da Saúde e publicidade dos
produtos comercializados pela rede.
Como o senhor poderá facilmente verificar, em um dos lados da toalha
há mensagens que exaltam a importância para a saúde da prática de
atividade física, da ingestão de água, do sono, da proteção contra a
exposição excessiva ao sol e da alimentação saudável. Junto a essas
mensagens, são mostrados o símbolo da empresa e seu slogan ?amo muito
tudo isso?, o website e o Disque-Saúde do Ministério da Saúde e a
referência ao Ministério como fonte das mensagens educativas.
No verso da toalha, há a reprodução do cardápio dos produtos
oferecidos pela rede - sanduíches, batatas fritas, saladas, molhos,
bebidas e sobremesas - com informações (em letras miúdas) sobre sua
composição nutricional. Essas informações são encimadas pela frase
?Veja aqui os componentes nutricionais da sua refeição?. Abaixo do
cardápio, há um quadro com o título: ?Veja algumas informações
nutricionais interessantes?. Neste quadro apresenta-se a composição
nutricional do que, para a rede McDonald?s, seriam ?outros alimentos
do seu dia a dia?. Esses alimentos incluem ?coxinha?, ?empadinha?,
?pastel?, ?pizza? e ?feijoada tradicional?.
É ocioso notar que o objetivo dessa campanha da rede McDonald?s é
associar o consumo dos produtos que ela comercializa a comportamentos
saudáveis e a induzir o consumidor a pensar que esses produtos
deveriam ou poderiam ser consumidos frequentemente (?alimentos do dia
a dia?) e a negar que eles pudessem ser menos saudáveis do que
alimentos tradicionais da dieta brasileira. Ainda mais ociosa é a
constatação de que a inscrição dos símbolos do Ministério da Saúde no
material publicitário da empresa legitima a campanha e aumenta em
muito sua eficácia.
Senhor Ministro, a própria composição nutricional do cardápio da rede
Mcdonald?s, descrita nas toalhas, revela quão enganosa é esta campanha
publicitária. Por exemplo, a ingestão de um Big Mac (que não é o maior
dos sanduíches oferecidos no cardápio) acompanhada de uma porção média
de batatas fritas, de um copo médio de refrigerante e de uma porção
pequena do sorvete com calda da rede fornece dois terços do total de
calorias que um adulto poderia consumir ao longo de todo o dia e
praticamente todas as calorias diárias necessárias para uma criança.
Se a opção for pelo sanduíche Big Tasty e por porções grandes dos
acompanhamentos e sobremesa, as calorias ingeridas em uma única
refeição alcançam o limite superior estabelecido para um adulto em
todas as refeições do dia. A situação fica ainda mais grave se o
cálculo da composição nutricional envolver a ingestão de nutrientes
que aumentam o risco de doenças cardiovasculares, diabetes e outras
graves doenças crônicas. Por exemplo, o consumo de um único Big Tasty
corresponde, segundo recomendações da Organização Mundial de Saúde
adotadas pela ANVISA, a 63% de todo o sódio que o indivíduo poderia
ingerir por dia e a 109% da ingestão diária máxima de gorduras
saturadas.
Como certamente é do seu conhecimento, as pesquisas de orçamentos
familiares do IBGE vêm mostrando que alimentos tradicionais e
saudáveis da dieta brasileira, como a mistura arroz e feijão, vem
sendo crescentemente substituídos por bebidas e alimentos
ultra-processados, que são densamente calóricos e têm conteúdo
excessivo de gordura saturada, açúcar e sódio como a imensa maioria
dos produtos comercializados pela rede McDonald?s.
Senhor Ministro, essas mudanças no padrão alimentar da população
brasileira colocam em risco importantes avanços obtidos pela Saúde
Pública brasileira nas últimas décadas. O aumento epidêmico da
obesidade é a expressão mais dramática das consequências do
crescimento do consumo de alimentos ultra-processados. Na mais recente
pesquisa do IBGE, realizada em 2008-2009 com a colaboração do
Ministério da Saúde, constatou-se que apresentavam peso excessivo
metade dos adultos brasileiros, um em cada cinco adolescentes e uma em
cada três crianças de 5 a 9 anos de idade. Dados do sistema VIGITEL,
operado pelo próprio Ministério da Saúde nas capitais de todos estados
brasileiros e no Distrito Federal, indicam que, se nada for feito, em
cerca de doze anos alcançaremos a situação calamitosa enfrentada pelos
Estados Unidos, onde dois terços da população adulta têm excesso de
peso.
Senhor Ministro, diante dos fatos brevemente relatados nesta carta e
conhecedores do seu compromisso com a Saúde Pública, pedimos-lhe que
ordene a imediata desvinculação das marcas, programas e imagem do
Ministério da Saúde do Brasil da marca, produtos e campanhas da
empresa McDonald?s.
30 de Maio de 2011
Carlos Augusto Monteiro1 César Gomes Victora 2 Malaquias Batista Filho2
1 Professor Titular da Universidade de São Paulo e Membro da Academia
Brasileira de Ciências
2 Professor Emérito da Universidade Federal de Pelotas e membro da
Academia Brasileira de Ciências
3 Professor Emérito da Universidade Federal de Pernambuco e Membro do
Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA)
Nenhum comentário:
Postar um comentário