domingo, 10 de julho de 2011

Sono e envelhecimento

Os termos envelhecimento ou senescência têm sido indistintamente empregados para definir o processo pós-maturacional responsável pela diminuição da homeostasia e aumento da vulnerabilidade do organismo. O envelhecimento tem sido classificado como normal ou usual. Normal, quando envolve mudanças fisiológicas universais e inexoráveis; usual, quando inclui doenças relacionadas à idade. O processo de envelhecimento – normal ou usual – ocasiona modificações na quantidade e qualidade do sono, as quais afetam mais da metade dos adultos acima de 65 anos de idade, que vivem em casa e 70% dos institucionalizados, com impacto negativo na sua qualidade de vida.
Essas modificações no padrão de sono e repouso alteram o balanço homeostático, com
repercussões sobre a função psicológica, sistema imunológico, performance, resposta comportamental, humor e habilidade de adaptação. Os fatores que contribuem para os problemas de sono na velhice podem ser agrupados nas seguintes categorias: 1) dor ou desconforto físico; 2) fatores ambientais; 3) desconfortos emocionais e 4) alterações no padrão do sono. Nessa última categoria, incluem-se as queixas referentes ao tempo dispendido na cama sem dormir, dificuldade para reiniciar o sono, menor duração do sono noturno, maior latência de sono e despertar pela manhã mais cedo do que o desejado. Além dessas queixas, são também prevalentes a sonolência e a fadiga diurna, com aumento de cochilos, o comprometimento cognitivo e do desempenho diurno, e vários outros problemas, que, embora não sejam específicos
do envelhecimento, têm um grande impacto sobre os idosos em decorrência de seus efeitos sobre o sono: falta de adaptação às perturbações emocionais, hábitos inadequados de sono, transtornos orgânicos e afetivos, uso de drogas (psicotrópicas ou outras), agitação noturna e quedas. Essa sintomatologia permite afirmar que sono e repouso são funções restauradoras necessárias para a preservação da vida, o que por si só justifica a necessidade dos profissionais de saúde atualizarem seus conhecimentos acerca das alterações fisiológicas que ocorrem no sono com a velhice, assim como sobre os fatores que interferem no sono saudável, tais como doenças clínicas, comorbidades psiquiátricas e eventos psicossociais. Ressalta-se que, embora os idosos geralmente relatem suas queixas relacionadas ao sono, muitos não o fazem por não concebêlas como disfunções, mas como eventos normais do processo de senescência. Isso contribui para o subdiagnóstico e o aumento no consumo de drogas hipnóticas, nem sempre prescritas e consumidas com observância à sensibilidade farmacodinâmica da idade (2) e às alterações no desempenho diário do idoso. Marsh constatou que cerca de 40% de todas as drogas hipnóticas são usadas por pessoas acima de 60 anos de idade (12% da população), um consumo muito maior do que em qualquer outra faixa etária. Essas drogas não são isentas de efeitos colaterais ou de interação medicamentosa e são consumidas concomitantemente com muitos medicamentos (polifarmácia), prescritos ou não, o que contribui para aumentar as influências exógenas sobre o processo saúde-doença. Uma boa noite de sono foi associada com melhor performance cognitiva em idosos que dormem bem e naqueles que não utilizam drogas hipnótico-sedativas. Atualmente, a exemplo de outras dificuldades
relacionadas à idade, como memória e cognição, a tendência é de considerar as perturbações do sono e suas implicações como acontecimentos anormais associados ao envelhecimento. Devem, pois, merecer uma criteriosa avaliação diagnóstica e intervenções terapêuticas, incluindo medidas não farmacológicas, que possam melhorar a qualidade de vida na velhice, pois, embora as alterações afetem a profundidade e a duração do sono, os idosos saudáveis mantêm a capacidade de dormir e restaurar a energia funcional. Por outro lado, a incapacidade para dormir foi correlacionada com a gravidade da diminuição cognitiva e, freqüentemente, de abandono de cuidados domiciliares prestados pela família aos pacientes demenciados. Além disso, os distúrbios do sono são também a maior causa de abuso de medicação psicotrópica. Em vista disso, as queixas relativas ao sono, que tendem a aparecer com maior freqüência na terceira idade, merecem ser avaliadas e encaradas como problemas – quer sejam decorrentes do processo de senescência ou caracterizados como doenças orgânicas ou psiquiátricas - uma vez que seu aparecimento ou exacerbação podem
ser prevenidos com a devida valorização, investigação e intervenção. Na perspectiva de contribuir com a promoção de um sono restaurador e com o bem-estar diurno da população geriátrica, por meio de uma atuação profissional qualificada, o artigo tem por objetivos: revisar as mudanças no padrão de sono relacionadas com o envelhecimento normal; discorrer sobre as disfunções do sono em idosos saudáveis e apresentar algumas estratégias de manejo clínico das mesmas nos aspectos preventivo e terapêutico.

Maiores informações: R. Psiquiatr. RS, 25'(3): 453-465, set./dez. 2003.
site: http://www.scielo.br/pdf/rprs/v25n3/19618.pdf

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